Unesco adota a Declaração de Shenzen, por um novo pacto para os museus

Cerimônia de encerramento do Fórum

Fórum de Alto Nível da Unesco adota a Declaração de Shenzhen e apela a um novo acordo para os museus. 

"Os museus são laboratórios de ponta da nossa humanidade partilhada - para proteger o nosso patrimônio, para catalisar a nova criatividade, para nos ajudar a captar a complexidade do nosso mundo", declarou a Diretora-Geral da Unesco, Irina Bokova, no Fórum de Alto Nível sobre Museus, realizado em Shenzhen, República Popular da China, de 10 a 12 de Novembro.

O Fórum de Alto Nível sobre Museus foi criado pela Unesco para reunir os decisores políticos e a comunidade global de museus, para promover o papel dos museus na geração de benefícios sociais, culturais, educacionais e econômicos, que está no cerne da Recomendação da Unesco de 2015 sobre a Proteção e Promoção de Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade.
Em mensagem dirigida aos participantes, o Presidente Xi Jinping, da República Popular da China, declarou que "os museus são pontes que ligam o nosso passado ao presente e ao futuro". Ao abrir o Fórum, a vice-primeira-ministra Liu Yandong reafirmou as muitas funções dos museus nas sociedades modernas, considerando que "o museu de hoje não é apenas um instituto para coleções, proteção, pesquisa e exibição de patrimônio cultural, mas também para fornecer serviços culturais públicos e educação social". Ela lembrou que os 4.692 museus da China acolhem mais de 200 mil atividades educacionais a cada ano, observando ainda que a vitalidade dos museus hoje requer suporte técnico.

Os museus estão hoje na encruzilhada de vários desafios sociais, como fonte de empregos e receitas no coração da economia criativa, fomentando o sentimento de pertencimento e coesão social e como motores da cooperação internacional. Eles estão na linha de frente da luta contra o tráfico ilícito de bens culturais e são alvos primários em tempos de conflito. Markus Hilgert, Diretor do Pergamonmuseum (Alemanha), exortou os museus a "assumirem a liderança, dentro de suas comunidades, na criação de redes resilientes de proteção do patrimônio cultural". Emily Rafferty, Presidente Emérita do Metropolitan Museum of Art (EUA), citou o exemplo dos milhares de cidadãos de Nova York que visitaram este museu no rescaldo do 11/9 para destacar o poder dos museus como forças, unificadoras capazes de fomentar um sentimento de pertencimento.

O Fórum foi uma grande oportunidade para ajudar a comunidade dos museus na busca por soluções para problemas críticos. A Declaração de Shenzhen (em inglês) insta todas as partes interessadas a reforçarem o papel e as capacidades dos museus na proteção do patrimônio cultural, adotando normas éticas e tecnológicas e desenvolvendo a cooperação a nível internacional. Também encoraja a plena implementação da Recomendação da Unesco de 2015 e explora a possibilidade de um relatório global sobre os museus. No futuro, o Fórum servirá de órgão consultivo ao Diretor-Geral, que solicita uma cooperação inovadora para promover os museus e reduzir as desigualdades entre eles. O Fórum foi co-organizado com a Comissão Nacional da República Popular da China à Unesco, Município de Shenzhen, Zhi Zheng Museu de Arte e da Administração Estatal de Patrimônio Cultural (SACH) da China.

Fonte: página da Unesco, em inglês.

Seminário Mecenas na República: conteúdos disponíveis

Numa publicação do mês passado, registramos a passagem dos dez anos do Seminário Mecenas na República, organizado pelo Fumproarte - o fundo da Secretaria Municipal da Cultura, que eu coordenava à época - com parcerias da Câmara, Fundacine e apoios da Regional Sul do MinC e do Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, sede do evento, que discutiu o financiamento público à cultura nas várias esferas de governo.

Ao reler a transcrição dos conteúdos gravados, até então inéditos, verificamos a atualidade dos debates ali travados, motivo pelo qual decidimos compartilhá-los com nossos seguidores interessados no tema. Abaixo do texto, reproduzimos o programa do seminário. Boa leitura.




Programa:

1. Mecanismos de financiamento à cultura no cenário internacional.
Palestrante: Luís Carlos Prestes Filho – Pontifícia Universidade Católica-RJ.
Debatedor: Leandro Valiati – Faculdade de Ciências Econômicas -UFRGS.
Mediador: Álvaro Santi – Gerente do Fumproarte/SMC-PMPA.

2. Financiamento público federal à cultura no Brasil. 
Palestrantes: Adriana Moreira – MinC – Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura.
Cristiane Olivieri – Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP).
Debatedor: Fernando Schüler – Fundação Iberê Camargo.
Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS.

3. Os 10 anos da Lei de Incentivo à Cultura. Perspectivas para o Fundo de Apoio à Cultura do RS.
Debatedores: Victor Hugo – Secretário de Estado da Cultura.
Guilherme Castro – Presidente do Conselho Estadual de Cultura.
Paulo Fernandez – Assoc. Produtores. Culturais do RS.
Mediadora: Flora Leães – Presidente da Comissão de Avaliação e Seleção do Fumproarte

Palestra sobre a Ancine
Palestrante: Zeca Zimmerman – Ouvidoria da Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS.

4. Leis de incentivo à cultura em outros municípios: relatos.
Painelistas: Carla Prestes – Prefeitura de Belo Horizonte.
Humberto Gabbi Zanatta – Secretário de Cultura de Santa Maria (RS)
Luiz Carlos Moreira – Engenho Teatral (SP)
Selma Moreira Félix – Prefeitura de São Paulo.

5. Os 12 anos do Fumproarte em Porto Alegre: um balanço.
Palestrante: Álvaro Santi – Fumproarte/SMC - PMPA
Debatedores: Marley Danckwardt – SATED-RS.
André Venzon – Assoc. Rio-grandense Art. Plást. Chico Lisboa.
Ana Luiza Azevedo e Jaime Lerner – Assoc. Profissionais Técnicos Cinematográficos do RS.

6. Diretrizes para uma lei de incentivo à cultura de Porto Alegre.
Painelistas: Ana Fagundes – Secretária Adjunta da Cultura de Porto Alegre
Manuela D´Ávila – Vereadora e Deputada Federal eleita - Comissão de Educação, Cultura e Esportes da CMPA.
Luiz Alberto Rodrigues – Sind. da Indústria Audiovisual do RS.
Mediadora: Flora Leães – Presidente da Comissão de Avaliação e Seleção do Fumproarte


Perfil do público das artes em Porto Alegre é analisado em artigo

O Artigo "Perfil do Público das Artes em Porto Alegre", de Álvaro Santi, foi selecionado para apresentação no Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura - Enecult, que ocorre esta semana em Salvador BA. O artigo apresenta, de forma resumida, alguns dados já reproduzidos e comentados em postagens anteriores deste blog, obtidos pela pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses, do Observatório da Cultura, relacionando a frequência a espetáculos de música, teatro, dança, exposições e cinema com características dos entrevistados, como sexo, cor/raça, renda e escolaridade.

Em sua décima-segunda edição, o Enecult é realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), por meio do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT), Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC) e Faculdade de Comunicação, como apoio do Observatório do Itaú Cultural.

Todos os artigos selecionados para a presente edição do Enecult podem ser baixados aqui.

Os dados da pesquisa estão disponíveis aqui.

ATUALIZAÇÃO EM 12/7/2018: Embora a pesquisa tenha sido selecionada pelo Enecult, por motivos pessoais não me foi possível viajar para apresentar o trabalho no evento, motivo pelo qual o mesmo foi excluído dos anais publicados na Internet. Posteriormente, foi apresentado no I Congresso Internacional de Pesquisa em Cultura e Sociedade, em abril de 2018, em Pelotas RS. Acesse aqui o artigo.

Cultura fortalece e torna mais seguras as cidades, diz Unesco

Relatório global Cultura: Futuro Urbano foi lançado em Outubro, na Conferência Habitat

Neste Dia Mundial do Urbanismo, o blog apresenta a seus leitores o novo documento da Unesco sobre Cultura e Desenvolvimento Urbano, traduzindo o Artigo original de LISA CONTAG, para o Site BlouinArtInfo,

A Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - defende fortemente a promoção sistemática da cultura no planejamento urbano em sua nova publicação, Cultura: Futuro Urbano, (link para o original, somente em inglês por ora) lançado em 18 de outubro durante a III Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III) em Quito, Equador. Com o subtítulo de "Relatório Global sobre a Cultura para o Desenvolvimento Urbano Sustentável", o relatório complementa a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que visa assegurar "os assentamentos humanos e as cidades inclusivas, seguras, resistentes e sustentáveis" ao redor do Globo.
"Espera-se que em 2030 o mundo tenha 41 megacidades como mais de 10 milhões de habitantes. A urbanização maciça e rápida pode frequentemente exacerbar os desafios para as cidades, criando mais favelas, como baixo acesso a espaços públicos, bem como um impacto negativo sobre o ambiente. Esse processo geralmente leva ao aumento do desemprego, da desigualdade social, da discriminação e da violência", explica a Unesco em declaração oficial. De acordo com as conclusões do relatório, a melhor medida para prevenir tais efeitos negativos é integrar totalmente os componentes culturais nas estratégias urbanas desde o início.
Em mais de 100 estudos de caso, a pesquisa analisa as situações, os riscos e as potencialidades das cidades em vários contextos regionais, com especial interesse também na África e na Ásia, onde a urbanização deverá continuar a aumentar rapidamente nas próximas décadas.
"A cultura está no centro da renovação urbana e da inovação. Este relatório fornece uma riqueza de insights e evidências concretas que mostram o poder da cultura como um ativo estratégico para a criação de cidades que sejam mais inclusivas, criativas e sustentáveis", declarou Irina Bokova, Diretora-Geral da Unesco, enfatizando que a Cultura "aumenta a potência social e econômica das cidades", especialmente com o apoio das indústrias criativas.
Como exemplo, o relatório refere-se a Xangai, China, que tem o status de uma Cidade Criativa conferido pela Unesco desde 2010 e é considerada atualmente "um dos maiores centros criativos do mundo, com mais de 7,4% da força de trabalho empregada nas Indústrias Criativas".
As cidades em situação de conflito e pós-conflito, como Samarra, no Iraque (que sofreu com a destruição de inúmeros locais de valor inestimável, ​​como o Santuário de Al-Askari, em 2006), também foram levadas em consideração e parecem se beneficiar da mesma forma. "Os esforços de reconstrução e reabilitação demonstraram a capacidade da cultura para restaurar a coesão social entre as comunidades e melhorar os meios de subsistência, pavimentando o caminho para o diálogo e a reconciliação", explicam os autores.
Os autores identificam três pré-requisitos para cidades culturalmente diversas, seguras e prósperas: 1) que as cidades centradas nas pessoas sejam espaços centrados na cultura; 2) que os ambientes urbanos de qualidade sejam moldados pela cultura, e 3) que as cidades sustentáveis ​​precisam de uma política integrada que se baseie na cultura.
Para alcançar esses objetivos, o relatório faz 12 recomendações:
· Melhorar a habitabilidade das cidades e salvaguardar a sua identidade;
· Assegurar a inclusão social nas cidades através da cultura;
· Promover a criatividade e a inovação no desenvolvimento urbano através da cultura;
· Desenvolver a cultura para o diálogo e as iniciativas de consolidação da paz;
· Fomentar as cidades de escala humana e de uso misto, aproveitando as lições aprendidas com as práticas de conservação urbana;
· Promover um ambiente habitável, seja construído ou natural;
· Melhorar a qualidade dos espaços públicos através da cultura;
· Melhorar a resiliência urbana através de soluções baseadas na cultura;
· Regenerar as cidades e os vínculos rural-urbanos, integrando a cultura no centro do planejamento urbano;
· Basear-se na cultura como um recurso sustentável para o desenvolvimento econômico e social inclusivo;
· Promover processos participativos através da cultura e reforçar o papel das comunidades na governança local;
· Desenvolver modelos financeiros inovadores e sustentáveis ​​para a cultura.

Saiba mais sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Leia o relatório completo Culture, Urban Future. (em inglês)
Leia as recomendações da UNESCO no original (em inglês)

Missão: fazer diferença. O caso do Museu de Santa Cruz, CA (EUA)

O blog apresenta, uma vez mais, conteúdo traduzido do site inglês Arts Professional, especialmente para nossos leitores. O texto  original é de Sara Lock, a respeito de uma conferência de Nina Simon, autora do livro recentemente lançado The Art of Relevance. (alguns trechos do livro podem ser lidos on-line)

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Como podem as organizações artísticas certificar-se de que são importantes para seu público e seus patrocinadores?

Em 2011, Nina Simon tornou-se Diretora Executiva do Santa Cruz Museum of Art & History (MAH) e embarcou em uma "missão para fazer diferença". A organização estava à beira da extinção por desimportância. Não tinha dinheiro e falava-se em fechar suas portas.
No atual contexto de financiamento, este cenário pode soar bem familiar, mas chamou a atenção de Nina para um problema ainda maior. A razão pela qual não havia dinheiro era que não havia um número suficiente de pessoas na comunidade a quem o MAH realmente importasse.
Se nossas organizações e nosso trabalho devem fazer diferença para as pessoas a ponto de atingirmos a sustentabilidade, então temos de compreender o nosso entorno. Embarcar em uma "missão para fazer diferença" salvou o MAH da extinção. A história da transformação do museu na instituição próspera que é hoje pode servir tanto como uma inspiração quanto como um alerta. É um lembrete do que pode acontecer quando perdemos de vista o que é importante para as nossas comunidades e nossos apoiadores.
No setor cultural, temos a felicidade de sermos regularmente lembrados de que somos importantes para as pessoas. Cada ingresso comprado, cada visita feita e cada crítica favorável são um endosso ao nosso trabalho. Mas e aquelas pessoas a quem nós não ainda não importamos?

Assíduos x Ausentes

As barreiras entre fiéis seguidores de nossa organização e pessoas para quem ela ainda não importa é lindamente ilustrada na definição de Nina para a relevância como uma chave que traduz significados. Ela não é o próprio significado, mas um ponto de conexão que abre portas para que as pessoas possam ter uma experiência poderosa.
Nossos frequentadores assíduos, aqueles que amam as artes, tem as chaves de nossas portas. A chave gira na fechadura e lhes permite entrar em nossas organizações sem dificuldades. Eles conhecem nosso trabalho, estão interessados ​​no que fazemos e sabem como se programar, por isso é fácil para eles participarem.
Porém, do lado de fora de nossas portas, há muitas outras pessoas que sequer vêem esas portas. Eles não possuem uma chave ou qualquer forma de imaginar que aquilo que está aqui dentro pode ser de algum valor para eles. Se você ama as artes e tem essas chaves, é fácil esquecer que é necessário tê-las para entrar. Mas se você não tem isso, é impossível atravessar aquelas portas.
A definição de relevância de Nina provém de dois critérios que, segundo sugerem os pesquisadores linguísticos Deirdre Wilson e Dan Sperber, tornam algo relevante: efeito cognitivo positivo e esforço. Para que algo seja relevante para você, esse algo deve fornecer informações significativas, as quais você pode acessar com mínimo esforço.
Se nossas organizações e nosso trabalho devem fazer diferença para as pessoas a ponto de atingirmos a sustentabilidade, então temos de compreender as pessoas que estão de fora. Precisamos saber o que elas valorizam, o que é significativo para eles e o que podemos mudar na forma como fazemos as coisas para proporcionar-lhes uma experiência sem esforço.

Mudanças na estratégia e propósito

Nos últimos cinco anos, o MAH viu quadruplicar o número de visitantes e mais do que duplicou o seu quadro de pessoal e orçamento. Nina atribui esse progresso às mudanças de estratégia e de propósito. Ele começou a fazer do museu um espaço de encontro social, e a olhar para a arte e a história em busca de ideias e narrativas para serem encontradas, desafiadas e usadas para conectar comunidades. Ela focou seu trabalho na comunidade e naquilo que era importante para a população local, começando a articular o impacto que a instituição pretendia obter através da cultura.
As exposições de arte e a programação que o MAH vinha fazendo eram importantes para um pequeno grupo, mas não tinham importância suficiente para um número suficiente de pessoas. A ideia de usar a criatividade e cultura para construir uma comunidade mais forte e conectada conseguiu motivar a comunidade, que foi se envolvendo, participando e acabou apoiando o museu, inclusive financeiramente.
Para acolher os "excluídos", o MAH também mudou sua programação e abriu novas portas, que eram relevantes e visíveis para eles. Foram organizados eventos em bares e ambientes familiares, que atraíam as pessoas e diminuiam o esforço percebido em participar.

Iniciando a sua própria missão para fazer diferença

A história do MAH não é um modelo para alcançar a relevância, mas existem cinco passos fundamentais que podem ser tomadas a partir de sua trajetória:
  1. Certifique-se a sua organização tem clareza sobre com quem ela se preocupa mais - quem são os excluídos a quem você quer realmente atingir?
  2. Torne-se um convidado nessa comunidade - ingressando como aprendiz e explorador, não para vender algo, mas por um interesse genuíno naquilo que importa às pessoas.
  3. Faça perguntas honestos à sua organização. O que não está funcionando? O que precisamos mudar?
  4. Esteja preparado para reformular sua programação e abrir novas portas, que sejam relevantes, visíveis e atraentes para os excluídos com os quais você se preocupa.
  5. Prepare-se para ter diálogos difíceis com frequentadores assíduos, que podem se sentir ameaçados ou simplesmente não concordar com as mudanças.
Algumas dessas etapas podem ser desafiadoras. Ao assumir seu papel de liderança na comunidade, pode surgir a impressão de se está abrindo mão do controle artístico. As mudanças podem acarretar o risco de afastar os frequentadores habituais. Mas se a alternativa é acabar onde começou o MAH, à beira da extinção por não fazer diferença, então talvez esse seja um risco que vale a pena correr.

Porto Alegre em Debate: políticas culturais em pauta na TV Câmara

Em setembro, estivemos na TV Câmara de Porto Alegre, participando do programa Porto Alegre em Debate, que destacou a cultura na capital gaúcha, especialmente em relação às políticas públicas. No programa, os convidados analisaram a situação do setor e falaram sobre os desafios diante da escassez de recursos. Participaram o presidente da Câmara Rio-grandense do Livro, Marco Cena, o gestor e produtor cultural, Hamilton Braga, e o coordenador do curso de Jornalismo da Ulbra, Deivison de Campos, além do coordenador do Observatório da Cultura, Álvaro Santi.

O video pode ser conferido abaixo. (em duas partes)


555 - Os desafios para o desenvolvimento da cultura em Porto Alegre PARTE 01 from TV Câmara Porto Alegre on Vimeo.


555 - Os desafios para o desenvolvimento da cultura em Porto Alegre PARTE 02 from TV Câmara Porto Alegre on Vimeo.

Há dez anos, Porto Alegre debatia o financiamento público à cultura


Seminário aconteceu no Auditório do CCCEV.

Em 2005, inscrevi o Fumproarte (que eu coordenava, desde o ano anterior) no Prêmio Gestão Pública e Cidadania, iniciativa da Fundação Ford e Fundação Getúlio Vargas, com apoio do BNDEs. O prêmio destacava experiências inovadoras no país, que envolviam a participação da sociedade civil, tinham impacto positivo na qualidade de vida e potencial para serem replicadas em outros locais.

O Fumproarte foi classificado entre os 20 finalistas dessa que viria a ser a última edição do prêmio (entre os quais, somente um outro projetos era do setor cultural). Os relatórios da comissão avaliadora sobre cada uma das iniciativas finalistas foram reunidos no livro 20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania: Ciclo de Premiação 2005.


"Mecanismos de financiamento à cultura no cenário internacional"
Luiz C. Prestes Filho, Leandro Valiati e Álvaro Santi
Com o prêmio recebido, no valor de R$ 6 mil, organizamos o Seminário Mecenas na República, para discutir o financiamento público à cultura nos três níveis de governo. Registrava-se, naquele ano, a passagem dos 20 anos da Lei Sarney, primeiro mecanismo abrangente de incentivo fiscal à cultura no país.

O Seminário, que contou com o apoio da Fundacine-RS (especialmente na pessoa de seu presidente, Cícero Aragon, e da Débora Peters), aconteceu nos dias 24 e 25 de outubro de 2006, com produção do Daniel Bender. Após, foi criado um grupo de trabalho, com representantes da SMC e das entidades presentes (Fundacine, Fórum Permanente de Música, Federação Gaúcha de Capoeira, SATED), a fim de discutir a reformulação da Lei Complementar 283/1991, que dispunha sobre o incentivo fiscal à cultura em Porto Alegre, mas nunca foi regulamentada. Este trabalho resultou em um anteprojeto de nova lei, que chegou a ser colocado em consulta pública mas até hoje não foi enviado à Câmara.

Aos interessados, iremos disponibilizar aqui, em breve, conteúdos do seminário registrados em CD e posteriormente transcritos, inéditos até hoje.

"Financiamento federal à cultura". Adriana Moreira, Cristiane
Olivieri, Fernando Schuler e Cícero Aragon
"10 anos da LIC-RS e perspectivas para o FAC-RS".
Paulo Fernandez, Guilherme Castro, Victor Hugo
e Flora Leães

"12 anos do Fumproarte: um balanço". Marley Danckwardt,
André Venzon, Álvaro Santi, Jaime Lerner e Ana Luiza Azevedo.

"Diretrizes para uma Lei de Incentivo à Cultura de Porto Alegre"
Beto Rodrigues, Manuela Dávila, Ana Luisa Fagundes e Flora Leães






VI Seminário de Observatórios na Unisinos

Com o tema "Democracia, Políticas Públicas e Informação", realizou-se na última terça-feira o VI Seminário de Observatórios da Região Metropolitana, no campus da Unisinos, em São Leopoldo. O evento contou com apresentações de trabalhos selecionados, uma roda de conversa entre os dez observatórios presentes, e encerrou-se com a conferência do Prof. Dr. Rudá Ricci. Sociólogo e Cientista Político, o Professor Ricci desafiou os observatórios a se esforçarem para que seus produtos sejam apropriados pela sociedade, em prol da transformação da realidade. (Leia aqui a entrevista concedida por ele.)
Conferência de encerramento do Seminário está disponível no YouTube

Pelo segundo ano consecutivo, o Observatório da Cultura teve a honra de participar na organização do evento, que é realizado mais uma vez pelo Instituto Humanitas da Unisinos (IHU).

Mais informações na página do evento, incluindo links para a gravação em vídeo das sessões, lista de trabalhos apresentados e a apresentação utilizada pelo conferencista. Cadernos das edições anteriores também podem ser baixados/lidos na página do Observasinos, anfitrião do Seminário.

Há cinco anos, Porto Alegre recebia o Seminário Cultura e Desenvolvimento Local

Seminário aconteceu na Sala Fahrion da Reitoria da UFRGS.
De 25 a 27 de outubro de 2006, o Observatório da Cultura realizava, em parceria com o Departamento de Difusão Cultural (Prorext) da UFRGS, o Seminário Internacional Cultura e Desenvolvimento Local. Ao longo desses dias, a cidade recebeu palestrantes da Argentina, Chile, Espanha e de vários estados brasileiros, para relatar experiência e debater as relações entre as políticas culturais e o desenvolvimento, abordando aspectos como a formação e as condições de trabalho dos artistas, o patrimônio cultural, economia criativa, sistemas de informação e os direitos culturais.

O evento integrou o projeto Observatório da Cultura de Porto Alegre: Informação e Capacitação para o Desenvolvimento, financiado pelo Programa Barcelona Solidària, da Prefeitura de Barcelona e Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento - AECID, para cidades integrantes da Rede Cidades e Governos Locais Unidos - CGLU e signatárias da Agenda 21 da Cultura. Os recursos captados por nós para o projeto também viabilizaram um curso de extensão, à distância, ministrado pela Unisinos, que capacitou 53 gestores culturais da Região Metropolitana de Porto Alegre.

As palestras gravas em video, bem como textos dos palestrantes, seguem disponíveis na plataforma virtual criada pela UFRGS.

Plano Municipal de Cultura completa um ano

Sanção da Lei do PMC no Paço Municipal, simultânea à posse do atual
Conselho Municipal de Cultura. (Foto Ricardo Giusti)
Neste 15 de setembro, completa um ano a sanção, pelo Prefeito José Fortunati, da Lei 11.911/2015, que institui o primeiro Plano Municipal de Cultura de Porto Alegre, com vigência prevista para 10 anos.

São princípios do PMC (Art. 1 da Lei 11.911): a liberdade de expressão, criação e fruição; a diversidade cultural; o respeito aos direitos humanos; o direito de todos à arte e à cultura; o direito à informação, à comunicação e à crítica cultural; o direito à memória e às tradições; a responsabilidade socioambiental; a valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável; a democratização das instâncias de formulação das políticas culturais; a responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais; a colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da economia da cultura; e a participação e controle social na formulação e no acompanhamento das políticas culturais.

A sanção pelo Prefeito foi feita com vetos parciais, parte dos quais por sua vez foram derrubados posteriormente pela Câmara, que promulgou dispositivos adicionais ao PMC. Saiba mais sobre a tramitação do Plano na página da Câmara de Vereadores.

Após a aprovação da Lei, o Observatório da Cultura elaborou uma Proposta de Metas, a qual foi submetida e aprovada pela X Conferência Municipal de Cultura, em dezembro de 2015. Atualmente, esta proposta tramita internamente na SMC, no processo administrativo 1.001727.16.8. (Consulte aqui o andamento do processo.) Conforme o Art. 11 da Lei do PMC, resultante de emenda dos vereadores, a Proposta de Metas também deve ser submetida à Câmara, antes de entrar em vigor mediante Lei Ordinária (o projeto originalmente previa a edição de Decreto pelo Prefeito). A Proposta de Metas do PMC, assim como toda a documentação relativa à elaboração do Plano Municipal de Cultura, pode ser lida na página do PMC. [site desativado, v. nota abaixo]

[Atualização em 18/9/2017: o site do Plano Municipal de Cultura http://pmcportoalegre.com.br, criado pelo então colaborador do Observatório Marcel Goulart, estava hospedado em um servidor particular, por nossa conta. Como não foi possível transferi-lo para o servidor oficial da Prefeitura, na Procempa, por motivos técnicos, nós o desativamos no início de 2017.]

[Atualização em 1/12/2017: a versão completa do Plano Municipal de Cultura, entregue ao Prefeito em outubro de 2013 e que deu origem à Lei do PMC pode ser lida aqui.]


[Texto atualizado em 4/4/2018]

Observatório mais uma vez presente no Seminário da Casa de Rui Barbosa

Uma vez mais, o Observatório da Cultura de Porto Alegre marcou presença no Seminário de Políticas Culturais da Casa de Rui Barbosa, que ocorreu em maio passado, no Rio de Janeiro, ao longo de quatro dias de intensa programação.
Desta vez, a convite do Itaú Cultural - cujo Observatório, parceiro do evento, comemora este ano uma década de existência - participamos da mesa intitulada "Observatórios Culturais: Ações e Perspectivas" que contou, além de nós e do observatório "anfitrião", com a participação de representantes do Observatório da Diversidade Cultural e do Observatório de Favelas. O painel vai render um conjunto de textos, a ser publicado em breve.
Agradecemos à organização do evento pelo convite, que expressa um reconhecimento nacional ao trabalho do nosso Observatório, que evidentemente nos deixa felizes.
A publicação com os anais do Seminário (mais de 2 mil páginas!) já está disponível para baixar, gratuitamente, aqui
Compartilho aqui o vídeo do painel sobre Observatórios. (Tem outros no canal do Seminário)

Uma ideia que deu certo: dar voz e rosto a quem recebe apoio

Como parte das comemorações de meio século de existência, o National Endowment for the Arts - agência pública de fomento às artes dos EUA - lançou uma série de vídeos, produzidos a partir de um chamado à comunidade artística e cultural de todo o país para relatarem suas experiências com as artes e particularmente sobre a importância do apoio governamental para "a variedade e vitalidade das artes no país". 

A série, composta de mais de 60 vídeos curtos (3 min.), recebeu o título de United States of Arts, e incluiu depoimentos do público, artistas, gestores, membros do Congresso e até da Primeira-Dama Michele Obama, e acaba de ser indicada ao Emmy, maior prêmio da Televisão estadunidense.

O NEA distribuiu em 2015 US$ 116,9 milhões, recursos que se multiplicam ao chegar ao destinatário, por exigirem contrapartidas das agências estaduais e também pela forte tradição de doações privadas existente por lá. (mais dados no infográfico, ao lado)

Já no Brasil, o chamado "mecenato" (Lei Rouanet) distribuiu, em 2015, cerca de três vezes mais (R$ 1,1 bilhão), sob a forma de renúncia de imposto de renda, gerando apenas R$ 52 milhões em recursos privados de contrapartida, conforme o SalicNet.

A gente chega a ficar em dúvida: realmente faltam recursos para a cultura por aqui?

Fica a dica para o nosso Ministério da Cultura, de uma série de videos como uma boa ideia a ser copiada. Tanto como ferramenta de prestação de contas, já que se trata de recursos públicos; quanto para iluminar o atual e complexo debate sobre o assunto, dando voz e rosto àqueles que se beneficiam do apoio do Estado. E de quebra ainda pode render prêmio.

Pesquisa revela percepção do público sobre as artes nos EUA


Em dezembro de 2015, a empresa de pesquisas Ipsos realizou, para a Americans for the Arts, associação da sociedade civil norte-americana em prol das artes, uma pesquisa de opinião sobre a percepção e atitudes do público em relação às artes no país, através de 3.020 entrevistas com a população adulta. O relatório completo (em inglês) está disponível na página da associação. Pelo interesse que desperta, sobretudo por podermos comparar alguns dados com a realidade brasileira, traduzimos aqui alguns dados destacados na pesquisa:


1. As artes conferem sentido à nossa vida. 63% da população acredita que as artes "nos elevam" (“lift me up") para além da vida cotidiana. 64% sente que as artes lhes dão "o prazer puro de experimentar e participar” e 73% dizem que as artes são "uma experiência positiva num mundo conturbado".
2. A maioria de nós busca experiências artísticas. 7 em cada 10 estadunidenses adultos (68%) frequentaram algum evento artístico no ano anterior (indo ao teatro, museu, espetáculo musical, etc.)
3. Frequentemente usufruímos das artes em lugares inesperados. Uma proporção ainda maior da população (77%) afirma ter experimentado as artes em espaços "não artísticos", como parques, hospitais, shoppings ou aeroportos.
4. As artes são parte das vidas das pessoas nos mais diversos grupos sociais. Pessoas negras frequentam mais eventos artísticos que as brancas (71% contra 66%). Índices mais altos de participação da população negra foram encontrados para diversas manifestações artísticas, incluindo dança, museus e teatro.
5. Instituições artísticas agregam valor a nossas comunidades. Independentemente dos entrevistados participarem pessoalmente, 87% deles acredita que essas entidades são importantes para a qualidade de vida e 82% pensa que são importantes para os negócios e a economia local.
6. Nós doamos para as artes. 27% da população (mais do que 1 em 4 entrevistados) fez alguma doação a organizações de artes, cultura ou mídia pública no ano anterior. Os doadores são em geral mais jovens, com níveis de renda e educação acima da média.
7. Nós apoiaremos candidatos que pretendam incrementar o fomento às artes. Perguntados se votariam ou não em candidatos que prometessem aumentar o atual gasto público em cultura de US$ 0,45 para US$ 1, os votos favoráveis foram mais que o dobro dos contrários (37% a favor contra 16% contra.)
8. Nós acreditamos que as artes são parte de uma educação completa. Nove em cada dez adultos Nine (88%) concordam que as artes são parte de uma educação integral nos ensinos fundamental e médio.
9. Nós acreditamos que as artes deveriam ser ensinadas nos ensinos fundamental e médio. 90% acham que os estudantes devem receber educação artística na escola. 82% afirma que as artes devem também ser ensinadas na comunidade, fora da sala de aula.
10. Nós praticamos artes em nosso tempo livre. Metade dos entrevistados são pessoalmente envolvidos em atividades artísticas (49%) tais como pintar, cantar em coros, fazer artesanato, escrever poesia ou fazer música.
11. Nós nos envolvemos com as artes porque isso nos faz sentir criativos. Entre os que estão pessoalmente envolvidos em práticas artísticas, ou dispõem de arte em suas casas, 60% concordam que "artes e música fora de casa os fazem sentir mais criativos" - percentual que salta para 70% entre os "millennials" (a chamada "Geração Y")
12. Mídias sociais aumentam nossa exposição às artes. 53% dos usuários de redes sociais declaram estar mais expostos às artes graças à conexão on-line. 59% concordam que as artes criadas nesses meios são formas legítimas de arte.
13. Sim! Tatuagem é arte. 27% dos entrevistados possuem alguma tatuagem (12% tem mais de uma). 3/4 acredita que tatuagens são uma forma de arte (73%).
14. As artes unificam nossas comunidades. Os benefícios pessoais das artes ultrapassam os indivíduos. 67% acreditam que "as artes unificam nossas comunidades, para além de diferenças de idade, raça ou cor" e 62% acham que as artes "ajudam a a compreender melhor outras culturas.”
15. Apesar dos benefícios que as artes proporcionam, nem todos em nossas comunidades dispõem de igual acesso a elas. Embora os benefícios para indivíduos e comunidades, apenas 45% entendem que "todos em suas comunidades possuem iguais condições de acesso às artes".

Desafios das políticas culturais na atualidade

O Auditório Araújo Vianna, em sua localização original, na
Praça da Matriz, sede da Banda Municipal, equipamentos
pioneiros na democratização do acesso à música em PoA.
(foto acervo do Museu Joaquim Felizardo)
Perguntado acerca de quais seriam os atuais desafios das políticas culturais, esboço aqui uma resposta possível, a partir de minha vivência de duas décadas no setor. De forma sucinta e sem aprofundamentos, destaco quatro que considero principais, os quais consistem em dar resposta efetiva a quatro distintos problemas - ou crises.A primeira crise é mesmo de identidade ou de propósitos, e deve-se tanto às transformações mais recentes da sociedade (globalização, revolução digital, etc.) quanto aos próprios conceitos de cultura e política cultural, cuja precisão diminui à medida que se amplia seu uso.
[1]. A segunda e mais debatida é a crise de recursos, que se caracteriza de forma mais urgente pela luta cotidiana por “fazer mais com menos”, sob ameaça constante de cortes orçamentários, a despeito dos valores já insuficientes para fazer o mínimo. A terceira é uma crise de planejamento e gestão, cujos sintomas incluem a escassez de informações que possam dar conta do sucesso ou fracasso dessas políticas; e a falta de vontade política de produzir tais dados, ou levá-los em conta, quando existam. E, finalmente, há uma crise de participação ou engajamento, que se revela na resposta débil da sociedade – mesmo entre agentes culturais, levados eventualmente ao desânimo pela sensação de eterno retorno de certos debates – frente aos problemas mencionados aqui, resposta que em última análise nos dá a real importância dessas políticas.
Uma crise de identidade emerge à medida que nossas instituições culturais – seus gestores, colaboradores e público – não têm clareza sobre sua missão, o sentido do seu trabalho, seu papel na sociedade. Muitas delas encontram-se frente a encruzilhadas, instadas a se reinventarem de forma dramática, vedada a opção de simplesmente fechar as portas. Para que insistimos em promover concertos, frequentados por reduzida parcela da população, se dois terços dela nunca os assistiram e, pior, muitos destes declaram não ter interesse[2]? A experiência de uma visita virtual a um museu pode ser tão rica quanto a visita in loco? Caso positivo, ainda faz sentido manter o museu real aberto, ou faríamos melhor economizando os recursos que o permitem? Ainda cabe patrocinar filmes em película, livros em papel? Se as indústrias criativas são economicamente sustentáveis, devemos investir nelas os escassos recursos das políticas culturais? São somente alguns exemplos.
E assim chegamos ao desafio dos recursos, segundo da lista. Antes de qualquer coisa, não nos esqueçamos dos humanos, cuja qualificação constitui desafio à parte. Não é demais lembrar que os modernos estudos de Economia da Cultura nascem simultaneamente à constatação de que os custos da produção nesse campo da atividade humana – ou parte substancial deles, em todo caso - crescem continuamente em relação à economia como um todo, uma vez que apesar da evolução tecnológica determinados ganhos de produtividade continuam não se aplicando – ou jamais se aplicarão – ao setor, pela sua dependência do trabalho humano criativo e insubstituível por máquinas [3]. Quanto aos financeiros, o quadro é preocupante, e não apenas no Brasil. A crise global de 2008 serviu de pretexto para redução de gastos públicos e privados em cultura em muitos países do primeiro mundo. Há que notar, porém, que antes disso já era corrente a exigência de projetos e instituições culturais, sobretudo públicos, justificarem seus custos em termos de resultados mais ou menos palpáveis para a sociedade. Embora tal tendência tenha enfrentado resistências do campo artístico contra a eventual instrumentalização das artes em busca de resultados frequentemente alheios à sua natureza e fora de seu alcance, penso que os artistas podem enxergar aqui, mais que um indesejado tributo pelo apoio do Estado, uma oportunidade para demonstrar resultados possíveis de fato.[4]
A busca por resultados nos leva ao terceiro desafio, que consiste precisamente em, uma vez definidos os objetivos de determinada política e garantidos os recursos com que executá-la, tomar a corajosa decisão de avaliar, da forma permanente e transparente, se esses objetivos foram atingidos; revê-los, quando necessário; conhecer os públicos a que se destinam; revisar estratégias para atingi-lo. Políticas sem monitoramento ou avaliação não são, diga-se, exclusividade do campo cultural. Ao contrário, especialmente no Brasil, o parecem ser mais regra que exceção, infelizmente, na gestão pública. E mesmo onde abundam dados e indicadores, não há garantia de seu uso por quem toma decisões, prevalecendo muitas vezes o palpite, o propósito pessoal ou eleitoral. A criação, por um número crescente de entes federados, de planos de cultura, a partir da aprovação do Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), sinaliza neste sentido uma mudança de paradigma, em que gestor e sociedade estabelecem de comum acordo metas a cumprir e prazos a respeitar. Deve-se, contudo, evitar o risco da uniformização, pois sendo a vida cultural única e diversa em cada rincão, cada governo e cada comunidade terão de encontrar suas próprias respostas.
E é justamente com a ação conjunta de governos e comunidades na gestão que finalizo este breve esquema, pois as respostas às três crises que mencionamos passam necessariamente por uma efetiva participação social. Primeiro, porque a tarefa de revisar o papel das instituições e programas culturais à luz das transformações sociais em curso não pode ser reservada a especialistas, sob pena de repetirmos erros que levaram à elitização de certas manifestações e equipamentos. Segundo, porque sem um amplo convencimento da sociedade sobre a importância dos investimentos em cultura, será ingênuo esperar um aumento desses investimentos, ainda mais em períodos de recessão. E finalmente, por mais dados que venhamos a produzir sobre a realidade e os resultados de nossas políticas, a transparência, o compartilhamento e o debate público dessas informações é que poderão torná-las úteis, no sentido de promover as mudanças desejadas nessa realidade.
Álvaro Santi, maio de 2016




[1] Para uma discussão do conceito de cultura, v. Eagleton, T. A Ideia de Cultura. Sobre a redefinição e ampliação do escopo das políticas culturais em curso, v. Throsby, D. Economics of Cultural Policy.
[3] Baumol, William Bowen, William, “Performing Arts: The Economic Dilemma”. Citado em Heilbrun, J. & Gray, C.M. The Economics of Art and Culture. New York, Cambridge, 2001.
[4] Uma visão panorâmica da argumentação sobre os efeitos das artes na sociedade encontra-se em Bennett, O. & Belfiore, E. The Social Impact of the Arts: An Intellectual History. Hampshire, UK, Palgrave Macmillan, 2008. 

Perfil do público de Porto Alegre (V): renda familiar

Influência da renda para ser frequentador assíduo é menor para bailes


No cruzamento dos dados referentes à renda familiar e à frequência à atividades artísticas, verificou-se, em geral, a esperada desigualdade entre as quatro distintas faixas de renda adotadas. As desigualdades são menores na frequência a bailes, em que mesmo assim o percentual de frequentadores assíduos da faixa de maior renda (42,4%) supera em muito o da menor (26,2%). Cinemas e shows de música apresentam cenários de desigualdade entre as diferentes faixas de renda, porém não tão pronunciados como nas demais atividades. Os percentuais de frequentadores assíduos em cada faixa de renda são semelhantes para essas duas atividades, sendo cerca de três vezes maior na classe mais alta (52,9% para ambas atividades) do que na mais baixa (17,4% para o cinema, 14,9% para shows). Chama a atenção, na maioria das atividades, que a esperada tendência de aumento do percentual de frequentadores assíduos proporcional ao aumento da renda, observada da primeira faixa para a segunda e desta para a terceira, sofre uma queda na última faixa. Ou seja, o percentual de frequentadores assíduos é maior entre os que têm renda de 4 a 10 SM do que entre os que recebem mais de 10 SM. Tal fenômeno só não ocorre para shows de música, teatro e exposições de fotos, nas quais os percentuais de frequentadores assíduos aumentam de forma contínua, conforme cresce a renda.

Mais de 70% da população com renda até 2 SM nunca frequentou concerto, balé ou exposições


A exclusão também apresenta diferenças significativas entre as quatro faixas de renda para todas as atividades. Mesmo na atividade em que a exclusão em geral é menor, o cinema (2,9%), 10,8% dos que possuem renda familiar até 2 SM nunca o frequentaram, enquanto entre os que recebem mais de 10 SM esta taxa é de apenas 1,5%. Para espetáculos musicais, repete-se o fenômeno (13,3% entre os de menor renda, contra 2,3% entre os de maior), assim como para bailes (13,8%, contra média de 2,3%). As atividades com os mais altos índices de exclusão em geral - concertos e espetáculos de dança - apresentam distribuição semelhante entre si, quanto às faixas de renda, com percentuais elevados de exclusão mesmo na faixa de maior renda (42,4% para concertos, 37,1% para dança), e ultrapassando os 70% na menor. Esta última cifra é semelhante para exposições de arte ou fotografia, porém nestas atividades a exclusão é bem menor nas classes mais favorecidas, pouco mais de 20%. Os números para o teatro são um pouco mais animadores, pois embora os percentuais de excluídos sejam maiores do que para bailes, cinema e música, são inferiores aos de exposições, dança e concertos, para todas as faixas de renda.

A pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais entrevistou, entre novembro e dezembro de 2014, 1.220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14 anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo idade, sexo e residência nas 17 regiões da cidade. A margem de erro calculada é de 2,8% para mais ou para menos. Os dados da pesquisa estão disponíveis aqui.

Perfil do público de Porto Alegre (IV): escolaridade


Estudantes frequentam acima da média

Somente 21,5% dos entrevistados são estudantes, ou seja, declararam ter vínculo ativo com instituição de ensino. A percentagem destes que frequentou eventos culturais nos últimos 30 dias é significativamente superior aos não-estudantes, para qualquer tipo de evento, chegando a ser mais que o dobro para o cinema (66,4% contra 32,5%). O menor impacto desta variável foi registrado no caso dos espetáculos teatrais, onde 11,1% dos estudantes são frequentadores, ainda assim um percentual superior aos 7,9% de não-estudantes. A diferença, contudo, encontra-se dentro da margem de erro.
Já entre os excluídos, repete-se de forma geral a tendência inversa (maior exclusão proporcional à menor escolaridade), com interessantes exceções. No caso dos concertos, os percentuais são praticamente idênticos entre estudantes ou não-estudantes. Para o cinema, atividade em que os índices de exclusão são em geral pequenos, o dos não-estudantes é 4,5 vezes maior do que o dos estudantes, já que somente 2 entre 262 estudantes entrevistados declararam nunca ter ido ao cinema (0,8%). Contudo, para frequência ao circo e a bailes, o percentual de excluídos é maior entre os estudantes.

Escolaridade é decisiva para frequência a atividades culturais

Somente 105 dos entrevistados (8,6%) possui curso superior completo (aí incluídos 17, ou 1,4%, com pós-graduação); 394 concluíram o Ensino Médio (32,3%); 433, o Ensino Fundamental (35,5%) e 277 chegaram até à 4ª Série do EF (antigo primário, aqui chamado abreviadamente de EP) (22,7%).  Conforme o tipo de atividades, verifica-se diferentes impactos da escolaridade nos hábitos da população entrevistada. Bailes são os eventos mais amplamente frequentados por pessoas, independentemente de sua escolaridade, seguidos dos shows musicais. Quanto aos bailes, a variação fica em torno de 10 pontos percentuais abaixo como acima da média de 39,3%: de 27,8% entre os que cursaram o ensino “primário” até 48,3% entre os que completaram o EF. Nos shows de música, a situação é semelhante, ficando a média de 36,4%, entre o mínimo de 28% com EP e o máximo de 45%, com EF completo. Em ambas as atividades, a faixa de escolaridade que tem mais frequentadores proporcionalmente é a que tem o EF.

Diferenças bem maiores entre os hábitos das pessoas situadas em diferentes faixas de escolaridade aparecem na frequência a concertos, exposições e espetáculos de teatro e dança. Nas exposições de fotos, a percentagem de entrevistados que frequentou ao menos uma vez nos últimos 30 dias entre pessoas com ES é mais de três vezes superior (11,4%) do que entre os que tem apenas o EP (3,2%). Números semelhantes aparecem no teatro: 12,4% contra 3,6%. A diferença entre as faixas extremas é ainda mais expressiva no caso da música erudita: 4,8% contra 0,4%.
Há que se destacar, contudo, que tais variações não são tão expressivas quando comparamos a faixa de graduados universitários com aqueles que tem o EF completo, inclusive em algumas atividades são semelhantes os índices. Cinema, concertos, dança/balé e exposições apresentam pouca diferença entre as duas faixas; somente no teatro há uma diferença significativa, de 12,4% (ES) para 8,5% (EF), mesmo assim dentro da margem de erro. Já os shows musicais e bailes, como dito acima, são mais frequentados pela faixa com EF do que a de ES, o mesmo ocorrendo com o Circo.
A associação mais forte que se verifica é entre a frequência assídua e a conclusão do EF. A partir deste grau, as alterações são pouco significativas quando da conclusão do EM ou ES, mesmo no caso da música erudita. Inclusive, em alguns casos, a alteração é para menos: para circo, baile e shows de música, percentual de assíduos decresce do EF para EM e deste para o ES. A exceção desta regra é o cinema, em que a posse do diploma universitário aumenta em 12,2% a chance de encontrarmos um frequentador assíduo.


No outro extremo, vamos agora analisar a exclusão cultural, conforme distribuída entre as distintas faixas de escolaridade. Aqui, existe uma tendência mais uniforme de queda contínua na exclusão, inversamente proporcional ao grau de escolaridade dos entrevistados, com poucas exceções. Em todas as atividades pesquisadas, o maior percentual de pessoas que nunca frequentou encontra-se invariavelmente na faixa com menor escolaridade (EP). No circo e bailes há empate técnico com o EF, considerando a margem de erro. Somente no circo não há queda contínua para cada novo grau escolar, onde na faixa de maior escolaridade encontramos 21,9% de pessoas que nunca frequentaram, contra 15,3 na faixa com EM.
Embora os shows de música, como assinalamos, tenham na distribuição dos frequentadores assíduos uma das mais equilibradas, no caso dos não-frequentadores esses eventos apresentam a maior variação entre as faixas de escolaridade extremas, sendo o percentual de não-frequentadores entre pessoas com EF (15,2%) oito vezes maior do que entre graduados universitários (1,9%). No caso do cinema, esta diferença ainda é alta, de quase seis vezes (entre 5,8 e 1%). A menor diferença ocorre no caso do circo (1,2 vezes), mas nos demais casos é pelo menos o dobro.

A pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais entrevistou, entre novembro e dezembro de 2014, 1.220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14 anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo idade, sexo e residência nas 17 regiões da cidade. A margem de erro calculada é de 2,8% para mais ou para menos. Os dados da pesquisa estão disponíveis aqui.

Perfil do público de Porto Alegre (III): o fator trabalho


Renda importa mais que tempo livre para frequentar atividades culturais

Damos sequência à análise dos cruzamentos de dados da nossa pequisa de consumo cultural, nesta semana abordando o fator...

Trabalho 

Os índices de frequentadores assíduos entre pessoas que declararam ter atividade remunerada (769 respondentes, ou 63% da amostra) são sempre superiores aos que não trabalham, sugerindo que dispor de tempo livre tem menos relevância do que ter recursos para frequentar atividades culturais – não apenas para ingressos, mas para transporte e outros custos associados. Em termos proporcionais, a diferença é mais acentuada entre os frequentadores de circo, onde o percentual entre trabalhadores é quase quatro vezes maior do que entre não-trabalhadores; de concertos (3,4 vezes maior); e de dança (2 vezes). Contudo, como os percentuais gerais de assíduos nessas atividades são pequenos (4,4% para circo, 3,4% para concertos e 6,6% para dança), tais diferenças ficam dentro da margem de erro. Já entre frequentadores de espetáculos de música popular, o fator trabalho influencia pouco: são 37,7% entre trabalhadores, contra 33,9% de não trabalhadores. A exceção à regra fica por conta das exposições de artes, onde frequentadores assíduos são mais comuns entre não-trabalhadores (12,6%) do que entre trabalhadores (11,7%), porém a diferença não ultrapassa a margem de erro. 

Já os dados da exclusão seguem, como de costume, a tendência inversa, com índices maiores entre os não-trabalhadores para todas as atividades. Aqui, a maior discrepância surge em relação aos bailes, onde a exclusão é 2,1 vezes maior entre não-trabalhadores (14,4% contra 6,8%). Já em relação ao circo os índices são muito semelhantes (22,9% contra 23,9%).


Servidores públicos frequentam mais
Os trabalhadores foram classificados conforme o tipo de vínculo: 357 empregados do setor privado (29,3%), 260 autônomos ou profissionais liberais (21,3%), 84 servidores públicos (6,9%), 32 empresários (2,6%) e 26 bolsistas ou estagiários (2,1%) . Observou-se que os frequentadores assíduos são significativamente mais frequentes entre empregados do setor público do que outras categorias, para a grande maioria das atividades culturais. Em muitas delas, a percentagem de assíduos entre os servidores públicos chega ao dobro da média entre os trabalhadores, como nos concertos (11,9%, contra média de 4,6%), dança ou balé, circo e exposições. As exceções ficam com o cinema, em que os servidores públicos são superados pelos bolsistas ou estagiários (54,8% contra 65,4%), atividade em que predomina o público mais jovem, como vimos anteriormente; e o teatro, onde 25% dos empresários são assíduos, contra 19% dos servidores públicos. Chama a atenção ainda o fato de não se encontrarem, entre os 26 entrevistados que se declararam bolsistas ou estagiários, nenhum que tenha frequentado concerto ou ópera, dança ou balê e circo nos últimos 30 dias. Tampouco foi encontrado frequentador assíduo a concerto ou ópera entre os 32 empresários entrevistados.

No aspecto da exclusão, os funcionários públicos mantém uma performance invejável, sendo o fato mais notável o não haver nenhum entre os 84 que não haja frequentado alguma vez um cinema ou show musical. O mesmo, porém, ocorre entre os 26 bolsistas e estagiários, categoria que também apresenta o menor índice de excluídos para exposições de fotos (26,9%). Por outro lado, os empresários são os que apresentam as menores taxas de exclusão para as atividades de teatro (12,5%, menos de um terço da média de 39,9%), dança (25% contra média de 55,1%), exposições de artes (21,9% contra 46%) e circo (9,4% contra 22,9%).

Entre as 451 pessoas que declararam não ter atividade remunerada (37% da amostra), cerca de 1/3 são estudantes, enquanto outro 1/3 são aposentados. O restante dividem-se entre afazeres domésticos e os que estão desempregados ou procurando emprego. As baixas frequências à maioria das atividades reveladas pelos idosos foram confirmadas pelos que se declaram aposentados, sempre com frequências significativamente mais baixas que a média dos entrevistados. Mesmo no cinema, bailes e shows musicais, atividades que apresentam os menores índices de exclusão, não iremos encontrar muitos aposentados entre os frequentadores assíduos, reforçando a tendência a considerar outros fatores como preponderantes sobre a disponibilidade de tempo livre na decisão de frequentar atividades culturais. Somente 12,9% dos aposentados frequentaram cinema nos últimos 30 dias, por exemplo, percentagem 5 vezes menor do que os 64,6% do total dos entrevistados.

Já na categoria dos excluídos tem destaque os que se dedicam a afazeres domésticos, com índices maiores de exclusão para a maioria das atividades (concertos, dança, teatro, exposições e circo). Observe-se que os estudantes, se por um lado apresentam as menores taxas de exclusão em atividades como teatro e exposições, chegando à taxa zero em cinema (todos os 140 estudantes já o frequentarem pelo menos uma vez), em outras tem índice acima da média, como no circo e concertos.

A pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses entrevistou, entre novembro e dezembro de 2014, 1220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14 anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo idade, sexo e residência nas 17 regiões da cidade. A margem de erro calculada é de 2,8% para mais ou para menos. Os dados da pesquisa estão disponíveis aqui.